Cheia de fãs na internet, anoréxica de 21 anos morre no Rio Grande do Sul


A anorexia fez uma vítima de 21 anos nesta semana no Rio Grande do Sul. Uma jovem que postava fotos de seu corpo magro em diversas redes sociais perdeu a batalha para a doença. Daiane Dornelles era tratada como uma webcelebridade, e sua anorexia era aplaudida por muita gente.

A jovem morreu de complicações de uma anorexia nervosa, de acordo com relatos dos amigos na internet. Ela contraiu hepatite viral, doença que teria sido desencadeada pela anorexia. É que a doença de Daiane deixa o organismo mais frágil e suscetível a vírus e doenças.

A gaúcha usava o perfil @MeganFoques no Twitter e tinha mais de 17 mil seguidores. No Instagram, eram mais de 5,4 mil seguidores.

Apesar de ser anoréxica, muitos rapazes e garotas elogiavam seu corpo nas redes sociais. Alguns dos comentários que o R7 garimpou: "Que inveeeeeja" "Perfeição!" "Essa eu curti demais" "Maravilhosa! Sempre teve o corpinho assim?"



No início deste ano, Daiane colocou silicone. A jovem gaúcha parecia sempre preocupada com a aparência.

Anoréxica, ela dizia comer apenas duas vezes por dia:

"Apenas controle o que você come, tu se acostuma", escrevia Daiane para suas seguidoras.
Ela postava fotos de modelos saradas nas redes sociais para dissuadir as pessoas de jantarem e, assim, conseguirem um corpo ideal.

Outra tuiteira de sucesso, @amandamelito (ela já se apresentou como @cherguevara, mas desistiu do trocadilho), resolveu não calar. Elas não se conheciam. Mas Amanda experimentou o inferno do qual Daiane não foi resgatada. A pedido do Diário Paraíba, ela escreveu um depoimento. Veja abaixo o depoimento de Amanda:

Amanda Melito

"Bons tempos em que pegar o jornal sobre o capacho consistia na primeira fonte de informação do dia. Hoje, nossas manhãs se transformaram num ritual em que nos inteiramos da vida alheia: em que restaurante as pessoas andam comendo, em que balada cara entram no cheque especial, em que "look" as gatas andam se oferecendo. E nos mostrando, claro. Gastamos os primeiros minutos do dia apegados ao que muitos pregamos ser irrelevante: a incessável busca da aprovação da nossa audiência particular. Eu falei "primeiros minutos do dia"? Começa cedo e vai o dia inteiro, a gente sabe bem.

Vemos pessoas comuns exibindo suas silhuetas e assumindo notoriedade suficiente para se tornarem padrões de beleza entre seus fãs. É curioso, mas acompanhamos famosos nos seus dias de anônimos - e anônimos se transformando celebridades. Participamos da rotina das celebridades e dos momentos de glória dos aspirantes. "Podemos ser um deles" - será que é isso que secretamente pensamos?
Até meus 14 anos, mesmo estando naquela fase conturbada de pré-adolescência, nunca tive muita preocupação com a minha aparência. Na época, já tinha a altura que permanece intacta até hoje: 1,58m. Meu peso era compatível com a minha estatura, e oscilava entre 48kg - 50kg. Era vaidosa, lógico, adorava me embonecar, mas satisfeita com o meu físico. Minha família se encaixava perfeitamente no modelo de lar ideal: pais com um casamento estável, patriarca com carreira em ascensão, filhos saudáveis e domáveis.

Mas, subitamente, as coisas começaram a degringolar. Meus pais tiveram problemas conjugais e eu, caçula, senti aquela redoma, até então blindada, espatifar. Desolada, consumida por uma tristeza profunda, aos poucos fui parando de comer. Não tinha nenhuma meta, fora a inconsciente de desviar a atenção do divórcio iminente deles. Comecei a emagrecer exponencialmente e consegui "reter" o olhar da minha família. E, pouco a pouco, passei a sustentar um objetivo palpável. Esquálida, pesando 38kg, me olhava no espelho e me via enorme. Usava roupas largas e ainda assim me queixava que elas acentuavam meu "sobrepeso".

Já havia iniciado um tratamento psiquiátrico, mas mesmo assim não respondia as investidas médicas. Até que um dia, no banho, consegui por uma fração de segundo me enxergar. Entrei em pânico e resolvi voltar a comer. Passei muito mal no começo, meu organismo não aceitava quase nada do que eu ingeria. Mas gradativamente fui me recuperando, e consegui me manter estável pelos próximos 10 anos.
De 1997 pra cá, tive duas recaídas: a primeira foi em 2008, quando já morava sozinha. Voltei a pesar 38kg, precisei ser afastada do trabalho, mas consegui reagir e reverter o quadro relativamente rápido. A segunda, e mais violenta, começou em 2011.

Em ambas reincidências, eu havia sofrido um desgaste emocional pesado, estava com o coração em frangalhos. Veja, não estou atribuindo a responsabilidade de ter adoecido a nada e a ninguém. Não existem culpados. Existem situações e condições que te deixam mais vulnerável. Em menos de 1 ano, perdi 20% do meu peso - uma porcentagem expressiva para quem tem a minha altura.
Minha família, meus amigos, meu namorado, meus colegas de trabalho se mobilizaram para me ajudar, mas eu negava e era extremamente ríspida com quem se aproximava de mim para oferecer auxílio. Eu tentava os confortar dizendo que estava tudo bem, porque realmente achava que estava.

E esse é o grande perigo da anorexia nervosa, a única doença de ordem psiquiátrica que pode levar à morte: ela age de forma silenciosa; você não tem sintomas concretos que te alertam que algo está errado.

E aqui entra a parte sinistra da coisa. A coisa que, suspeito, matou a bela Daiane. Mesmo que apresentasse todos os sintomas, eu contava com o apoio de seguidores no Instagram que alimentavam (sem ironia) o resultado da minha privação.

Nunca fiz apologia à doença, até porque demorei muito para admitir que tinha um distúrbio, mas continuava publicando minhas famigeradas fotos de elevador. E, mesmo em um estado deplorável, recebia elogios que me davam forças para continuar enfraquecendo.

Bem, fui novamente afastada do trabalho e submetida a um tratamento intensivo, com respaldo semanal de nutricionista, psicólogo e psiquiatra. Dessa vez, a doença estava tão arraigada em mim que meu quadro apresentava sérios riscos clínicos. Pesando 30kg e correndo risco de morte, fui internada involuntariamente em 31 de agosto de 2012 no Ecal - Enfermaria de Comportamento Alimentar - centro do Hospital das Clínicas especializado em transtornos alimentares. Por 3 meses, convivi com meninas que tinham problemas de distorção de imagem, cada qual com sua peculiaridade.

Quantas noites chorando baixinho e pedindo paciência. Quantos sonos interrompidos por pesadelos. Quantas manhãs letárgicas experimentando os olhares mais tristes que eu já tive. Até que tudo que estava descarrilado foi entrando nos eixos. Quase um ano se passou, e me mantenho forte. Passei a canalizar toda a obstinação que era usada em prol de um biotipo que eu julgava ideal para a manutenção da minha saúde.

Graças a essa intervenção, aprendi a comer. Aprendi a encarar como um elogio a beleza "exótica" que me endereçavam e até a me orgulhar das pernocas grossas que eu sempre tive.
A máxima de qualquer tratamento deste tipo: um dia de cada vez. Nunca estaremos livres. Eu tive ajuda. Outras garotas não têm.

O que elas têm são centenas, milhares de polegares estendidos positivamente em sua direção dizendo apenas umas coisa: continua assim. Você está linda."

Saiba o que é anorexia:
Anorexia: é uma doença em que a garota se enxerga muito acima do peso e se alimenta bem menos para ficar o quanto mais magra possível. Em uma escala de 0 a 10, atinge nove mulheres e um homem e costuma aparecer com mais frequência na faixa entre 12 e 18 anos (com maior incidência aos 16 anos).

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