Rotina espartana na filmagen de "300"

Filmar "300" foi uma experiência complexa e algo abstrata para todos os envolvidos, pelo que se pôde depreender do junket com os atores principais e o diretor do filme, há dez dias no Rio de Janeiro (junket são entrevistas em série dadas num hotel para uma multidão de jornalistas). A única que não se lembrou das filmagens como uma provação física foi a atriz Lena Headey, que interpreta a rainha Gorgo de Esparta.

"A equipe era muito simpática, eu estava no meio de um monte de homens pelados e, ao contrário deles, não tive que fazer musculação", diz ela. "Tudo o que eu fiz foi comer", acrescenta, aliviada por não ter tido de seguir a dieta de queijo branco e uvas a que muitos atores foram submetidos. Além disso, a atriz ressalta que, como aparece relativamente pouco no filme, não precisou passar quatro meses no Canadá, onde "300" foi rodado praticamente na íntegra, em estúdio. O que lhe tomava tempo era cruzar todos os panos da toga na hora de se vestir. "Era um teste de geometria", lembra.

Pescoço duro

Rodrigo Santoro, no papel de Xerxes, o imperador da Pérsia, também não ficou muito tempo por lá, mas foi obrigado a se sacrificar um pouco mais. Além de ter entrado no programa de exercícios intensos -- "mas não para ficar musculoso, apenas longilíneo" --, ele passava por cinco horas diárias de maquiagem. Rodrigo diz que conseguiu dar um fim produtivo para esses períodos de quase imobilidade. Ouvia música com fones de ouvido, entrava num "processo meditativo" e tentava encontrar a humanidade de um personagem que é apresentado como sobre-humano: mede três metros de altura, voz de trovão alterada eletronicamente, não tem pêlos nem cabelos e usa os escravos como escada.

Embora pouco vestido, Rodrigo teve de cobrir-se de metal pesado. "Aquelas argolas no pescoço eram grossas e estreitas e os piercings ficavam colados no rosto", diz ele. "Eu não podia fazer movimentos bruscos para que eles não voassem e porque meu pescoço estava duro. Tive de desenvolver uma linguagem corporal sutil e fluida para o Xerxes." Completando a situação adversa, ele usava uma capa "pesada e comprida". "Vinham uns caras atrás de mim", Rodrigo informa.

Universo virtual

O que o espectador vê ou não vê no filme (como os caras atrás do ator) praticamente nada tem a ver com o que se passou no set. Xerxes aparece quase sempre cercado de muita gente, mas Rodrigo só contracenou com dois atores, Gerard Butler, que faz o rei Leônidas de Esparta, e Andrew Tiernan, o desfigurado corcunda Elfiates. Rodrigo se apressa em dizer que este sofreu bem mais do que ele. Sua maquiagem era praticamente uma roupa de látex. "Ele ficava derretendo lá dentro e só podia se alimentar de líquidos, com canudinho."

Rodrigo não lamenta a escassa convivência com o elenco de "300". Pelo contrário. Segundo ele, quando se candidatou ao papel, sua intenção era justamente conhecer como se faz um filme de fantasia, "o universo virtual do chroma-key", aquele fundo azul que depois é povoado de figurantes e cenários. "O grande barato é que a gente está lá sozinho" diz Rodrigo. "É imaginação pura."


Era nessa atmosfera desértica que o Exército de Leônidas, e o próprio Leônidas, sofriam todo dia. A preparação física concentrada começou dois meses antes da filmagem e prosseguiu diariamente, com levantamento e arremesso de peso, dietas e torneios que previam prêmios e penalidades. Gerard Butler, que começou a malhar quatro meses antes de entrar em estúdio, admite que essa foi a pior parte do trabalho. "Mas isso eu já sabia. Desafiador mesmo foi dar vida a um personagem que é um brutamontes filho da puta", diz Butler, que cultiva a franqueza tradicionalmente associada aos nativos da Escócia, como ele.

Surpreendentemente, a fórmula que ele encontrou para construir Leônidas foi "manter a escuridão a seu redor o tempo todo". Se ele parece expressar emoções diferentes a cada cena, afirma, é por pura responsabilidade do espectador e do enredo. "Eu, como ator, faço Leônidas olhar para sua mulher como olha para um de seus soldados", diz Butler. Sobre a graphic novel de Frank Miller em que o filme se baseia com firme intenção de fidelidade, Butler declara: "Já ouvi falar." Para ele, "o filme não é sobre uma história em quadrinhos; é sobre acontecimentos de 2.500 anos atrás". Na entrevista seguinte, o diretor Zack Snyder, que não tinha ouvido o que Butler havia dito, foi categórico: "O filme não é sobre eventos históricos; é sobre uma história em quadrinhos."


Por Márcio Ferrari
http://cinema.uol.com.br/ultnot/2007/03/28/ult4332u77.jhtm
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