DEPOIMENTO 001

Oi amigas e amigos do blog FILMEBULIMIA !!! Estamos recolhendo DEPOIMENTOS de quem tem e de quem teve BULIMIA. Por favor, mande seu depoimento para nós. Estamos ecrevendo o LONGA-METRAGEM do filme e SUA história é MUITO importante! Obrigadinha!



DEPOIMENTO ESCRITO E VIVIDO POR JÉSSICA:



Eu sempre fui uma ótima aluna, inteligente e esforçada. Muito perfeccionista, procurava agradar meus familiares de todas as formas possíveis. Apesar de não viver com meu pai (ele suicidou-se quando eu tinha quatro anos), tinha um bom relacionamento com minha mãe e meus irmãos.

Minha história começa em 2004. Eu tinha um namorado (meu primeiro namorado) e gostava muito dele. Acontece que por razões irrisórias nós tivemos uma briga pouco antes do aniversário dele (que seria no sábado, dia 26/02) e conseqüentemente não estávamos nos falando no dia da comemoração.

Eu fiquei muito chateada com a situação e planejava pedir desculpas no dia seguinte, mas qual não foi a minha surpresa quando na manhã de domingo minha melhor amiga me ligou e deu a péssima notícia: ele havia falecido naquele dia, vítima de afogamento.

Eu fiquei sem chão! Sentindo uma culpa de proporções astronômicas! Não sabia o que fazer... Em meio a tanta dor, fiquei uma semana sem me alimentar direito, comia só bananas e tomava água. Resultado: emagreci 3,5kg.

Até então eu sempre tinha sido gordinha, já chegara a 66 kg, ouvira comentários maldosos de parentes e amigos, e não me importava muito com isso. Mas a partir daquela semana comecei a reparar mais na minha forma física, passei a direcionar minha atenção para a aparência do meu corpo e descobri que estava insatisfeita com o reflexo no espelho.

Comecei uma dieta leve, diminuí doces, frituras, massas... Nada de anormal. Mas o peso baixava muito lentamente e eu queria resultados rápidos!

Decidi então praticar exercícios físicos, também nada de mais, exceto pelo fato de eu ir aumentando sempre e sempre a carga horária destinada à atividade física. Com essas determinações passei a sentir tonturas, fraqueza, desânimo e principalmente FOME! Muita fome!

No meu aniversário senti um desespero enorme ao perceber que estava cercada por docinhos e salgadinhos engordativos e que poriam em risco a minha dieta. Cogitei recusar veemente tudo que me fosse oferecido, mas a estratégia não deu certo, antes do meio da festa eu já tinha me rendido e estava me empanturrando de porcarias. Depois de comer até quase explodir, passei mal de verdade e acabei vomitando tudo. Foi aí que tive a brilhante idéia: eu não precisava deixar de comer tudo, era só vomitar depois!

Começou meu ciclo de compulsões e vômitos.

Depois de alguns meses em que minha mãe e meus irmãos passaram a me observar mais atentamente, fui conduzida a uma consulta com uma psicóloga e também com um psiquiatra onde recebi o diagnóstico: Bulimia Nervosa.

Passei então a ir às sessões de terapia uma vez por semana. A psicóloga tinha o estranho dom de me fazer sentir muita culpa pelo meu comportamento alimentar, coisa que eu não sentia com tanta intensidade antes, pois julgava que não estava prejudicando ninguém. Depois de pouco tempo, troquei de terapeuta pela primeira vez. A nova psicóloga era pior ainda: em nossas conversas ela parecia me ameaçar dizendo que se não me curasse, as pessoas iam me deixar, meu namorado ia me abandonar e coisas do tipo.

Os episódios bulímicos continuavam, e iam piorando gradativamente. Além de vomitar, tomar laxantes e diuréticos, eu também me automutilava. Antes eles aconteciam duas a três vezes por semana e agora passavam a acontecer duas a três vezes por dia!

Eu estava engordando... Estava perdendo o controle! Sentia dores de estômago lancinantes e muitas vezes vomitava sangue. Passei por um gastroenterologista e descobri uma gastrite e uma esofagite severas.

Para piorar tudo, eu ainda tinha que lidar com duas comorbidades: Transtorno Bipolar do Humor e Transtorno de Personalidade Borderline.

Os medicamentos tinham efeitos colaterais fortíssimos e eu tive muitos problemas no colégio por não conseguir escrever direito, dormir na aula, e faltar demasiadamente.

Fui internada pela primeira vez quando um dia, no caminho para o trabalho, tive um rompante de desespero e me lancei no meio dos carros em movimento chorando compulsivamente e desejando a morte. Passei um tempo na clínica psiquiátrica e quando saí, meu quadro se agravou.

Agora eu já não pensava em mais nada, apenas em comida, calorias, exercícios. Cortei definitivamente do cardápio carnes, gorduras, açúcares e carboidratos. Alimentava-me em média três vezes por semana e só comia folhas verdes como alface e rúcula, e tomava água de coco.

Perdi peso. Muito peso.

Comecei a me sentir a pior pessoa do mundo porque não conseguia emagrecer a quantidade de quilos que estipulara e passei a ficar a maior parte do tempo no quarto, deitada, chorando.

Tentei suicídio mais duas vezes.

Em uma consulta com meu psiquiatra, este me falou que agora meu diagnóstico era de Anorexia Nervosa, subtipo Purgativa.

Fui internada novamente, e dessa vez fiquei sob vigilância 24h por dia. Não podia usar o banheiro sem o conhecimento dos enfermeiros, era acompanhada em todas as refeições, tinha que tomar suplementos vitamínicos e soro glicosado constantemente.

Saí da internação com uma recuperação parcial do meu peso, mas me mantinha firme no propósito de emagrecer. E com essa idéia fixa na cabeça, comprei, ilegalmente, remédios para emagrecer e passei a tomá-los escondido.

Perdi peso novamente, mais rápido dessa vez, mas ainda não era o suficiente. Exercitava-me muito, comia muito pouco ou nada e tomava minhas “pílulas mágicas”.

Novamente a sensação de inutilidade me acometeu e eu cortei os pulsos. Poucas semanas depois disso, tomei uma enorme quantidade de medicamentos misturados com vodka.

Seguia nos esforços alucinados para emagrecer. Quando não via os resultados esperados no visor da balança, me cortava, e cheguei a tentar suicídio mais quatro vezes.

Um belo dia, no colégio, comecei a me sentir mal. Dores no peito, falta de ar. Não sabia o que estava por vir, mas quando senti uma dor aguda na região do coração e percebi que não podia respirar, entendi que não era boa coisa. Tive uma parada cardiorrespiratória e entrei em coma. Fiquei dias no hospital e depois da alta, fui internada novamente para desintoxicação e recuperação do peso. Cheguei a pesar 39 kg.

Como me recusava terminantemente a me alimentar, “ganhei de presente” uma sonda nasogástrica por onde eram administrados shakes e suplementos hipercalóricos para aumentar meu peso.

Tive alta depois de uma longa jornada na clínica, mas permaneci com a sonda por um tempo fora do hospital até voltar a me alimentar de forma autônoma.

Durante o curso da história tive muitos problemas com a automutilação, a incompreensão dos amigos e parentes, a difícil adaptação do meu organismo aos remédios e a troca constante de terapeutas. Terminei um namoro de três anos por conta da Anorexia, mas em compensação engatei um novo relacionamento, mais sadio e maduro, que dura até hoje.

Ainda não tive alta do meu psiquiatra, e tenho muito que caminhar rumo à recuperação da minha auto-estima e normalização dos meus hábitos alimentares. Talvez jamais esteja plenamente curada. Meu médico me diz que o fato de eu aceitar que tenho uma doença já é um grande passo, mas eu tenho minhas dúvidas, afinal, mesmo sabendo dos riscos e conseqüências, mesmo sabendo que nunca vou estar satisfeita (pois tenho uma imagem distorcida do meu corpo), eu ainda quero emagrecer. Quero chegar aos 37 kg e, quem sabe, me ver livre dessa gordura nojenta de uma vez por todas.

Estou na luta. Ainda não decidi de que lado estou, se do lado dos médicos ou da doença, mas de uma coisa eu sei: quero ser feliz!

Por Jéssica.

14/07/2009 – terça-feira.

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